Desenhos, Monotipias e Gravuras.


O desenho

(Exposição “Em torno de operações mentais ”. II Fórum de Pesquisa em Arte, Galeria Fidanza, Igreja de Santo Alexandre, 2006)

Uma dobra de signos e a descoberta do desenho como uma escrita visual.

“Dobra” (2004/2006)


Durante a realização de um caderno é necessário construir vários desenhos sobre um mesmo tema. Com um conjunto de desenhos, posso utilizá-los como fonte para a construção de uma obra, como elementos visuais ou somente obras escritas. Até fragmentos de alguns desenhos podem ser incorporados na obra final. Entre os aspectos mais importantes da criação, o desenho é um deles, pois pode assumir o papel de elemento descritivo, de escrita visual, de matriz e de fluxo ordenador da obra, desencadeado ou não por seqüências narrativas.

O desenho é fruto de uma ação do tempo e o tempo escreve em sua caligrafia de manchas, sinais, resíduos gráficos que, para mim, são imprescindíveis. Um dos fatores importantes em minha produção de desenhos é o fato de que, a partir do momento em que estão prontos, alguns deles são escolhidos para passarem pelo processo o qual denomino de “aceleração do tempo”, para que o envelhecimento que se daria naturalmente aconteça de forma mais rápida que o normal. Esta técnica não é difícil de realizar, pois Belém é uma cidade muito úmida e isto por si só é uma grande fonte de desgaste para os papéis. Ao colocar os desenhos envelhecidos ao lado de papéis novos, estes criam relações de composição interessantes, como jogo de contrastes.

“Dobra” (2004/2006) 

Para mim, a matéria ao ser exposta ao tempo cria aspectos que são impossíveis de serem produzidos. Os acidentes e as marcas do tempo são fundamentais, pois reforçam a transitoriedade da vida nestes materiais, o que resulta em uma obra em permanente estado de mudança. A velocidade contemporânea e os aspectos da precariedade acabam se constituindo como parte destes desenhos. Ao expô-los aos acidentes e transformações do tempo, consigo aproximá-los da precariedade presente na paisagem periférica de Belém.

A paisagem conduz o olhar é veículo de informação. Procuro este diálogo com o lugar, que acaba sendo representado na construção poética e estética de meus trabalhos. Quando passeio pelas ruas de Belém, sempre me deparo com imagens interessantes como parte de um processo criativo e, às vezes, pequenos fragmentos vistos podem ser incorporados nas obras.

A memória também funciona como fonte imaginativa. Fragmentos visuais embutidos no inconsciente ganham vida, reconfigurados através das linhas e cores dos desenhos, que surgem como índices de memórias codificadas no dia-a-dia. A paisagem, para mim, é o dado que surge de um processo de interatividade, que conduz ao sentido de lugar, pois ela passa a ser apreendida não apenas como dado visual, e sim resultante de um processo de interação, percebido também por seus cheiros e sons.

O cotidiano é cercado de pretextos. O que faço é encontrá-los. Esta poética, intimista e poderosa, surge ao observar as cores do dia, ao perceber as diferentes luminosidades de cada estação do ano, servindo de fonte de alimento para o olhar. Acredito que é na contemplação é que reside um dos mais fortes aprendizados sobre o desenho e o espaço.








Conjuntos de desenhos realizados em 2004 “sem titulo”,sequencias narrativas.


Representar não é senão uma conversa que temos conosco. O movimento das árvores, suas folhas secas ou floridas podem ser metáforas dos estados d’alma. Deve parecer romântico, mas é uma questão de usar a inteligência. Para entender o silêncio que emana do horizonte, é necessária atenção. Os fluxos e refluxos do cotidiano não nascem da paixão, que inebria a percepção. Não é necessário ser romântico para entender as cores do dia.



“Como virar a pálpebra Superior para retirar um corpo estranho do olho” (2006).

O desenho surge com maior intensidade quando se está atento ao fato de que ele não é apenas resultante de uma ação motora. Seu universo não está limitado às folhas de papel. Ele pode existir como uma linha no espaço ou como um trajeto linear realizado durante uma caminhada. É necessário que se tenha em mente de que o desenho é um conceito aberto e que seu princípio é uma ação mental.

O que nos habituamos a interpretar como desenho é fruto de uma tradição, não desqualifico esta, no entanto é preciso entender que o desenho é fruto de uma intenção mental e que o gesto é apenas um dos aspectos que constitui o ato e não somente o ato por si só.

Portanto, é necessário compreender a imagem mental como um desenho. Por mais que ele não tenha as características gráficas, seu conteúdo existe como idéia. Quando imagino, por exemplo, uma jogada de xadrez, não desenho com lápis e papel, mas produzo linhas imaginadas no tabuleiro. O movimento das peças é desencadeado como uma estratégia intelecto-visual.                                                              


A linha não é apenas um símbolo gráfico, sua produção é fruto de uma ação mental. Quando observamos um pedreiro construindo uma parede, ele fixa os tijolos em linha. Para conseguir alinhá-las, ele estica um fio de nylon que serve como uma orientação linear para a construção de sua parede. Os tijolos podem ser interpretados como volumes espaciais. No entanto, a linha de nylon é, para mim, um desenho espacial que orienta um desenho mental que o pedreiro guarda da parede a ser construída. A planta da casa é o mecanismo, mas o princípio é traduzido numa linguagem mental. O que quero dizer é que o desenho é um principio intelectual e suas origens não são adestradas pela mão e sim pela mente.
É necessário um análise da fonte intelectual, de onde os aspectos formais se irradiam, compondo assim o panorama de uma ação. O ato criativo e a pesquisa poética, a partir dessa análise, ganham força. Em um dos aforismos do livro Humano Demasiado Humano, o filósofo Friedrich Nietzsche diz que:

(...) Quem separa menos e rigorosamente confia de bom grado na memória imitativa pode se tornar, em certas condições, um grande improvisador; mas a improvisação artística se encontra muito abaixo do pensamento artístico selecionado com empenho. Todos os grandes foram grandes trabalhadores, incansáveis não apenas no inventar, mas também no rejeitar, eleger, remodelar e ordenar. (NIETZSCHE, 2002 p.120).


O que é interessante notar neste aforismo é que para Nietzsche a obra é fruto de trabalho, intenção e pensamento e que esses elementos aliados a fragmentos poéticos, são fundamentais ao produzir uma obra. Este é um dos princípios que norteiam a construção dos cadernos de desenhos que servem como arcabouços de exercícios e notas, que podem funcionar como peças ou fragmentos para a construção de parte ou de toda a obra. Cadernos de notas e fragmentos poéticos são, para mim, a literatura dos dias. O desenho me despertou para o espaço, para o exercício do escultórico. Através destes estudos e que inicio a formulação do conceito de Manipulação construtiva.


Manipulação contrutiva 1 y registro de ação realizada em 2004











forma escultórica em y vista 1 no atelier 2004






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