Imensidão Íntima



(Exposição “Primeiros Passos”, Centro Cultural Brasil Estados Unidos, 2004)
[2º Grande Prêmio].

A natureza e o espaço externo: Metáfora pluviométrica


Obra “Imensidão Íntima” (2004). Desenho e monotipia.
 Fotografia de Simone Moura

Imensidão Íntima” é um conjunto de três desenhos feitos sobre papel-jornal, medindo 250 x 60cm, que representam uma tempestade sempre avistada ao longe na paisagem de Belém, retratando os devaneios referentes aos dias de chuva. É uma série de trabalhos que ficou inacabada e que tem seu representante nestes desenhos.
As idéias da atmosfera do próprio papel utilizado (de vida útil muito pequena, por isso é efêmero como os dias, como o próprio tempo e como a forma das nuvens) a metáfora da tinta gráfica e do carvão. Ele carrega a sensação de enormidade, de “imensidão” da natureza que está diante de nós, que domina, que tem potência e o poder de se modificar.
Além de o trabalho falar da questão do tempo, da metáfora da escrita sobre o papel jornal, ele trata da metáfora do tempo climático (superaquecimento). O trabalho em si é efêmero. Mesmo que esse trabalho seja preservado, ele não durará mais do que algumas décadas em boas condições.
O “Imensidão Íntima” é feito com tinta gráfica preta, que é a mesma tinta utilizada nas gráficas para impressão das letras nos jornais. Também é utilizado o carbono, em forma de carvão.
O carvão, por si só, carrega o elemento carbono. A queima deste material se torna o monóxido de carbono, um dos responsáveis pelo aquecimento global. Por outro lado o carvão é uma metáfora da dureza, da “beleza” da natureza, já que o carbono comprimido torna-se diamante. A tinta gráfica, ao ser impressa em um jornal, é o elemento utilizado pelas pessoas para obter informação do dia-a-dia. No trabalho, a tinta informa a metáfora da mancha, das nuvens, do que é disforme. Uma nuvem de carbono, cinza, um temporal das informações que coletamos no cotidiano dos jornais, que retratam um mundo despreocupado com a ecologia e consigo mesmo.

A natureza da representação

O horizonte turvo da representação anuncia a chuva corrente de nossos dias. Mágica abstração que preenche o espaço de manchas e envolve os sentidos, trazendo a estes um enigma de formas e fragmentos químicos. Vapores convertidos em milhares de pequenas gotas de carbono, que impregnadas ao papel, anunciam o forte temporal. Diante de nós, o gigantesco universo que a fabula da representação pode apresentar.  Nuvens feitas por um sfumato de sombras cegas. Desequilíbrio orgânico, condutor de formas cerebrais que, ao busca alcançar o “longínquo”, tem a distância imposta pela representação daquilo que é a sensação de imensidão. Para Bachelard:

A imensidão é uma categoria filosófica do devaneio. Sem dúvida, o devaneio alimenta-se de espetáculos variados; mas por uma espécie de inclinação inerente, ele contempla a grandeza. E a contemplação da grandeza determina uma atitude tão especial, um estado de alma tão particular que o devaneio coloca o sonhador fora do mundo próximo, diante de um mundo que traz o signo do infinito. (BACHELARD, 2003, p.189).


Como a imensidão não é objeto, ela nos conecta a própria consciência imaginante. A partir daí, o corpo não opera mais, sendo um simples feixe de funções, um pedaço do espaço-tempo. O corpo é agora cobertor d’água, universo aparente da imersão ao mundo. Potência poética que conduz o imaginante a atirar-se ao espaço que ele representa. Sendo assim, o imaginante estará imerso ao horizonte chuvoso que ele tenta representar.
O imaginante lança-se em direção ao temporal que idealiza, tentando encontrar nele as regras do jogo que conduzem o próprio objetivo artístico e as instruções que orientaram sua criação. Ao projetar em formas de nuvens suas dúvidas, o imaginante representa a instabilidade formal que estas contêm por natureza. Tal instabilidade carrega consigo a metáfora perfeita para as constantes mudanças que somos submetidos ao longo do processo criativo. Sua variabilidade formal representará o próprio sentimento de mudança e as escolhas que apresentaremos diante de tal variabilidade.
A metáfora é uma nuvem carregada de sentidos. Caminho onde o tempo é guia. É queda d’água. É nuvem impregnada de desejos, recolhimento d’alma, fluxo de criação e devaneio que origina o ato criativo.
Os indicativos da metáfora são as manchas de tinta gráfica preta e o carvão vegetal sobre o papel. A imensidão íntima é cada uma daquelas folhas de papel jornal tingidas com a mesma tinta usada para imprimir os jornais, “signos insignificantes em si mesmos, nos quais o pensamento só encontra o que neles colocou”. (PONTY, 2002, p. 25).
          Nuvens de carbono sobre o papel jornal. Letras de um universo poético organizado de maneira subjetiva, motivo que anuncia o tempo como próprio tema. Tempo que pode ser compreendido ora como a marca abstrata que programa as horas, anuncia e divide os dias em períodos distintos, ou o tempo atmosférico, da chuva que é feixe aquoso que conecta o corpo ao infinito que paira sobre ele. Rio corporificado que escorre com as gotas que percorrem o ser ao banhar-se nela. Simbiose entre o corpo e a água, representados pelas pequenas partículas de carbono e tinta, depositadas sobre papel jornal negro, dilúvio que encobre o horizonte e paira diante de nós.



      Obra “Imensidão Íntima” (2004). Desenho e monotipia.
 Fotografia de Simone Moura

Pablo Mufarrej 2004/2007


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