O desenho gráfico


Mira Schendel: a semântica e as simbologias gráficas.
(Exposição “Universidarte”. Faculdade do Pará, 2005)






Série “Arquitetura” (2005) Xilogravuras Fragmentos 4, 5 e 6

Durante o período em que construí o primeiro caderno de desenhos, tive contato com a obra da artista suíço-brasileira Mira Schendel. Esta aproximação seria mais um elemento decisivo em minha produção, pois o uso que ela fazia da letra e a forma como desenvolvia suas monotipias e pinturas me impressionaram bastante.
A palavra e as letras já haviam sido introduzidas em minhas pesquisas, só que, a partir desse contato, sofri uma forte influência que me faria mudar decisivamente a maneira  como percebia estes signos gráficos. Com a análise da obra de Mira Schendel, percebi que as letras podem ser utilizadas como elementos estruturais e que seus conteúdos semânticos poderiam ser anulados a partir da composição. Segundo Eduarda Marques:

Em Mira, as letras e números, às vezes, são apropriados não apenas pela forma, mas também colaborando com um sentido conceitual à obra. Os signos da linguagem são incorporados à imagem como símbolos que sugerem significações em aberto. (MARQUES, 2001 p. 33).

Podemos evidenciar tal afirmativa nas monotipias de Mira Schendel realizadas em 1964 e no uso da letra, que ela incorpora em seus trabalhos a partir da década seguinte. Numa série Sem Título (“Datiloscrito”), Mira Schendel busca uma delicada ordem compositiva, utilizando a diagramação da maquina para construir a composição. As palavras e os textos perdem seus nexos semânticos. Ela consegue realizar uma ordem construtiva a partir da repetição de elementos gráficos e palavras. (MARQUES, 2001 p. 44).
O conceito que Mira Schendel utiliza foi, para mim, uma importante fonte de estudo. Os estudos sobre o trabalho de Schendel “Sarrafo” [1] geraram as obras da série “Arquitetura”. Nestes trabalhos, Mira criara uma relação entre plano e o escultórico, com objetos negros que saiam da base branca, revelando um deslocamento espacial incrível. O que me fascinou e que na série “Entre Arquitetura e as Sombras” coincidentemente tinha uma idéia semelhante a este tipo de princípio, foi o fato da artista utilizar o branco do papel como uma espécie de representação do vazio, uma conexão do espaço em branco com o espaço real. No trabalho “Sarrafo”, Mira Schendel rompe o plano bidimensional. Segundo Eduarda Marques, “a trajetória do sarrafo negro, libertando-se do suporte, tem a rapidez do gesto da artista, superando os limites das categorias tradicionais de pintura, relevo e escultura” (MARQUES, 2001, p. 47).


 
          
Mira Schendel: “Sem Titulo” (“Sarrafo”) 1987
 Fotografias extraídas do livro “Mira Schendel” de Maria Eduarda Marques p. 110, 115, 117. 2001
 
A série “Arquitetura”, que desenvolvi a partir do contato com estes trabalhos de Mira Schendel, não rompia o plano, mas as xilogravuras eram estudos compositivos, que buscavam uma correspondência dos gestos de Mira com a pesquisa que eu vinha desenvolvendo no trabalho. As estruturas dos telhados eram uma correspondência direta a estes sarrafos que se deslocavam no espaço. Eram linhas espaciais e o que eu queria era encontrar um meio de representá-las em um meio bidimensional como traduções destas linhas espaciais. O papel que era suporte deveria criar uma sensação espacial através de uma contraposição entre claro e escuro. O vazio, que era representado pelo branco do papel, ganha força expressiva quando contrastado pela ausência de cor da tinta gráfica preta, utilizada na gravura. O meio gráfico, a cor e forma deveriam encontrar um sentido pertinente ao conceito que queria alcançar.
As gravuras de “Arquitetura” foram fragmentadas em um tríptico. Cada parte representaria uma sensação espacial correspondente ao movimento que fazia para observar as estruturas espaciais representadas nas gravuras. A gravura central era a representação de uma visão frontal da estrutura de um telhado. As gravuras da esquerda e da direita são representações laterais de outras estruturas do mesmo telhado. Esta visão lateral é reforçada pela escolha do canto inferior direito e esquerdo dos papeis onde estavam representadas.
foto Simone Moura
Esta rima visual funciona à medida em que o espectador se posiciona no centro dos três e compreende, através deste posicionamento espacial, que o conjunto era uma obra só. Neste tríptico, quando analisamos de gravura por gravura, parece que elas perdem sua força expressiva estrutural. Quando percebemos o conjunto, as gravuras parecem se renovar, desencadeando, de maneira coletiva, o jogo entre seus fragmentos. O papel do espectador é perceber estas partes e juntá-las mentalmente.

[1] Série de 12 pinturas em têmpera acrílica e gesso sobre madeira, expostas por Mira Schendel no gabinete de arte Raquel Arnaud em São Paulo e na galeria Tomas Cohn Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro em 1987, um ano antes do falecimento da artista (MARQUES, 2001, p. 47).







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